quinta-feira, 7 de novembro de 2013

1884

Lembro-me de você serelepe, com um vestido rodado e uma sandália rasteira enfeitada com lantejoulas… não, não era carnaval, era réveillon… e diferente de outros anos, já não tinha mais medo dos fogos, na verdade seus olhinhos brilhavam como nunca ao ver as centelhas emergirem ao céu…

Eu, à época, estava descobrindo um mundo novo, cheio de sensações novas e energias que jamais poderia imaginar que existissem… era tanta emoção que o próprio Buda em pleno nirvana, na mais ingênua das contradições, sentiria inveja de mim.

Fazia três anos que estávamos juntos… mas sem a menor das dúvidas, foi ali nosso apogeu. Vivemos num só instante os maiores dramas e a mais suprema felicidade. E teus olhos… teus olhos olhavam sempre tão profundamente os meus…

Passaram-se dois meses...

Agora sim era carnaval, já não estavas mais tão serelepe e nem seus olhinhos brilhavam como outrora… seus olhares, agora quase sempre de soslaio, confundiam meu coração; e diferente dos outros anos, nesse ano o carnaval não teve máscaras. Diria até que um dos polos deve ter trocado o sentido e o que antes era grude, agora era repulsão.

Meu mundo saiu da zona de conforto… para o desconforto extremo provocado pela perda de uma paixão. Não sabia me dar com a dor que se transformava do estado psíquico para o físico num turbilhão de vezes. 

Consolava-me nos Bardos tibetanos…

Faz três anos que o amor adormeceu e o que me resta é uma sensação senhora de gratidão e carinho por tudo que meu ser aprendeu: a reinvenção do eu a cada momento, sem nunca perder a essência; o reconhecer aquilo que te faz bem e valorizar cada vez mais a simplicidade; a libertação de qualquer res de preconceito e a crença no ser humano como principal alicerce de mudança; a ser reticentes e saber ouvir mais do que falar; a fazer o certo porque é certo e não ter medo do novo porque o novo é tudo que temos para aprender…
  
         

que venha a respublica


sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O jeito




Eu gosto de gente inteligente, gosto de gente burra também. Não gosto de burro que quer ser inteligente mas gosto do inteligente que se faz de burro. Não gosto de rótulos, muito menos de rótulo sobre inteligência, e por mais que pense que todos são inteligentes - de uma certa maneira - mais vejo que todos são burros de uma maneira geral. Mas no fundo... no fundo mesmo... a burrice ou a inteligência não sois o maior dos problemas, na verdade tanto faz que todos sejam burros ou inteligentes ou que quer que sejam. O ruim mesmo é “o jeito...” para tudo tem-se um jeito. E o que não fazemos por esse “jeito”... Quando Schopenhauer afirmou que todo homem é venal, com certeza ele tinha em mente “o jeito”.

 Ah… se soubessem do que eu seria capaz de fazer por esse “jeito”. Não… nunca o saberão!

Parafraseando Dostoievsky “ Se todos nós nos puséssemos a falar, sem nos preocupar com o que os outros haveriam de pensar, do que seríamos capaz de fazer por esse “jeito”. Se afloraria tal peste no mundo que todos se poriam a correr...”.

Estou eu a ser demasiadamente humano, demais? não creio. Não importa o tempo, não importa o ser, desde que mundo é mundo e gente é gente, somos inerente a nós mesmos e essa é minha maior dor. Palavra bonita essa inerente in (dentro) ere (conjugação do verbo ser) ente (sufixo qualquer):  aquilo que vem de dentro do nosso ser e nada em relação a isso podemos fazer. E por causa do danado do “jeito” o que mais tem de belo nessa palavra tem de triste.
Por mais que sejamos todos tão diferentes, sois ele quem nos torna iguais na nossa essência. Acho que gosto mais de burro que quer ser inteligente!

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Homem, Lobo, Lobisomem...

O homem é lobo do homem
vide o leito e o criador
prolífica veia incessante
perfaz um coração envilecedor


supunha diáfora perdida
proclamas o canto do pavor
corre veneno d´alma insípida
não sabes donde andas o lenhador


O lobo é lobo do homem
pedra sobre pedra e sobre dor
corteja a corte dos infames
sucumbes ao conto do comendador


carrega um lastro infindo
e ornas, de plástico, uma flor
palíndroma de forro escondido
desata um nó sem rancor

Lobisomem, Lobo, Homem...

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Bovary e o Comendador

Sois de longe a mais errante
um impulso tenaz desgovernado 
a volta pelo inferno de Dante
a busca do prazer imaginário


Sois de longe o mais tolo
uma volúpia de amor e de bondade
um menino que nunca foi adulto
o cândido sorrindo sem vontade

tez macia... voz baixa...
olhos oblíquos... pequanas sardas...
sapato bico fino... cabelos ondulados...
óculos retrô... vestido rodado...

sorriso bonito... tez queimada...
olhos caídos... pouca barba...
relógio de bolso… pulseira de prata...
corpo esguio... camisa despojada...

corres no parque... ama cinêma...
academia belas artes... dieta ferrenha...
toca flauta... decifra Miró...
vês o astronauta... foges da flor...

anda sem rumo... mira as estrelas...
fuma charuto... cozinha paella...  
estuda ciências... fala de Foucault...
conhece Méliès... inventa a cor...

se esbalda no drama... chora uma novena..
procuras a fama... refaz uma cena...
erras a escolha... enganas a dor...   
coleciona rolhas... refutas o amor...

se faz escondido... chama pequena...
não entende o rabisco ... faz um poema...   
provoca um sorriso... pede um favor...
prova o ridículo … renega o que for...

terça-feira, 2 de abril de 2013

Gosto do ...


Gosto do vazio,
gosto da fome,
da possibilidade de ser,
mais ainda da probabilidade do não ser.

Gosto do infinito,
gosto  do caos,
também gosto do espiral,
mais ainda do infinitesimal.

Gosto do real,
gosto do translúcido,
do estado pastoso,
mais ainda do fogo.

Gosto de imaginar vários mundos,
gosto de inventar sentimentos,
do novo,
mais ainda do esquecido.

Gosto da metamorfose,
gosto de olhar calado,
de brincar de adivinha,
mais ainda de orvalho.

Gosto do preencher,
gosto de caminhar no frio,
gosto do dia,
mais ainda da noite.

Gosto do fantástico,
gosto do alvorecer,
do escarcéu de cores,
Mais ainda de pensar em você.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

sem cuidado


 Dorme agora a tarde escura
 na calma do frescor atenuado
 a postar na terra sua moldura
 quarto crescente em maus bocados

 coração mimético à moda rua
 um norte, um riso e um convidado
 não foste minha tampouco tua
 sois a bela, a fera e o condado

 procura no vulto uma amostra nua
 da foto no presente do passado
 manias de jogar à luz da lua

 bobisses de valor inestimado
 pepitas, coriscos, balão... flutua
 que conto de amor mais sem cuidado